quinta-feira, 31 de março de 2016

Já o sabiam há muito.



 Era pelas leis da Física que as suas contas batiam sempre certo. Não havia equação que ficasse por resolver quando o desejo lhes falava. E era certo que estranhos fenómenos aconteciam com a proximidade dos corpos. Mãos, beijos, pele e saliva. Faziam descobrir poderosos campos electro-magnéticos que lhes controlavam movimentos, sons e vontades. Como se não houvesse sequer outra hipótese. Nada se perdia e tudo se transformava. Desafiavam teorias. Revolucionavam descobertas. Partes dele que orgulhosamente contrariavam a força da gravidade. E sistemas hidráulicos que magicamente se accionavam nela.
Depois era só juntar as variáveis e deixar fluir a termo-dinâmica do momento. Testavam-se todas as fórmulas e inventavam-se mais umas quantas.
Perverso...? Isso é relativo.


terça-feira, 29 de março de 2016

Segredos meus



Do Amor nada quero agora. Ele que me bata à porta noutro dia qualquer. Mas a paixão... sem a paixão eu não sei viver. Porque o meu sangue precisa de ferver para correr mais vivo. E a minha alma precisa do arrepio profundo para acordar mais forte. São os descompassos desta loucura que me fazem sentir sã. E são as intermitências deste sentir intenso que me alimentam o ser. 
Por isso... não me ames ainda.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Não há meios termos


Ou quer ou não quer. Ou ama ou não ama. Ou deseja ou não deseja. Aborrecer-se com uma existência banal? Ou desassossegar-se com um viver intenso? Podia escolher o caminho simples. Sabe que sim. Mas sabe que só se frustraria numa acomodação contrária à sua natureza. Prefere os demónios e os terrores. O frio na espinha pela iminência do abismo. Se for para sentir que seja com o corpo todo. Se for para amar que seja até mais não.
Há coisas que fazem acreditar que vale a pena. "Amo-te muito" e "fode-me com força" num mesmo destinatário é capaz de ser infernalmente paradisíaco.
Mesmo que se fique sem cabeça, até la... vive-se. 
Afinal de contas, não será esse o crime perfeito?

segunda-feira, 21 de março de 2016

O relógio marca duas da manhã.


O termómetro, se existisse, certamente marcaria algum número indecente. De um lado do quarto, a janela está totalmente aberta... do outro, uma ventoinha tenta fazer o resto do trabalho. Mas mesmo assim ela não consegue dormir. O calor é demasiado e os seus pensamentos ainda mais. Deitada na cama e olhando para lado nenhum, vê o passado e o futuro. Vê as tatuagens do que fez e as promessas do que pode vir a ser feito. Nada faz muito sentido, afinal de contas. Nem nada daquilo deveria importar. Mas não consegue adormecer. Na verdade, hoje nem sequer lhe apetece não pensar. Decide apenas desfrutar da viagem que a sua mente lhe oferece. Dá-lhe a mão e embarcam juntas.
Recordações voam. Pessoas passam e pessoas ficam. Apercebe-se de como tudo é instável. De como basta um segundo para deitar por terra qualquer castelo de cartas. Continua a não perceber muitas coisas. Quase tudo, aliás. Os ciclos não param de se fechar, de se renovar. As dúvidas e as certezas limitam-se a subir ao poder alternadamente.
E ainda por cima o calor. Deve ser do calor.
Ou da insónia.
O relógio marca três da manhã.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Fim de tarde




Envolveu-se nela e sentou-a no sofá daquela casa deserta. Despiram-se de tudo, menos do desejo que lhes levava o corpo e a alma ao fogo do inferno. Ela estava indefesa, entregue. Deitada, esperando-o dentro dela. E ele obedecia. Lia o calor da sua pele e empurrava-a contra si em investidas que eram de paixão, de raiva, de tesão. E de muito mais coisas que ele desconhecia. Depois parava. Com os lábios, procurava o sabor da vontade das entranhas dela. Embriagava-se e voltava a perder-se. O mundo, para além daquela fêmea que se estendia e contorcia por ele e só por ele, apagara-se todo duma só vez. Voltaria alguma vez a existir?